A tragédia Blackwell

Quem leu O inimigo imediato, primeiro romance de Ross Macdonald publicado pela Companhia das Letras, já sabe que o forte do incorruptível detetive Lew Archer são as tragédias familiares. Adolescentes problemáticos, conflito de gerações, drogas, neuroses, solidão e, coroando isso tudo, crimes e mais crimes. Ross Macdonald é o mestre criador desse universo de lirismo e violência em que a psicologia humana e a crueldade das grandes metrópoles são impiedosamente dissecadas. E, como Dashiell Hammett e Raymond Chandler, aos quais é freqüentemente comparado, a especialidade de Macdonald são os diálogos secos, a trama complexa, o clímax prolongado capaz de surpreender o leitor mais avisado. Em A tragédia Blackwell a princípio tudo parece muito simples para Archer: um pai - um pouco explosivo, é verdade - está muito preocupado com sua filha, que arranjou um namorado com jeito de caça-fortunas. Apesar de a madrasta da jovem rebelde olhar o romance com bons olhos - afinal, nada como dois pombinhos apaixonados, algo ali soa estranho, visto que esta Cinderela não tem muita coisa em comum com uma princesa de contos de fadas: é feiosa e grandalhona. Tampouco o Príncipe Encantado parece flor que se cheire. Investigar as origens do rapaz é tarefa aparentemente corriqueira para Archer. Mas, conforme o passado de cada uma dessas personagens e suas intrincadas relações afetivas vêm à baila, Archer começa a fazer algumas pequenas descobertas. A começar por dois assassinatos.